14 de fev. de 2017

Quando o nosso sofrimento nos afasta dos outros

Chega uma hora que vem a necessidade de escrever. Não dá pra adiar mais. As coisas estão aflorando, as demonstrações, semana a semana, aparecendo e eu cada vez mais encantada com os resultados. É incrível que depois de 6 anos o EMDR ainda me surpreenda! Acredito que vá me surpreender sempre, pois cada novo paciente, é um novo caso, uma nova história de vida e sofrimento, nova forma de dessensibilizar e de reprocessar, novos labirintos cerebrais e novo caminho que o cérebro traça na tentativa de recuperar a memória saudável daquele momento vivido de forma tão dolorosa.

Ainda me emociono com o choro de alívio de alguns pacientes que depois de chorarem uma ou duas sessões de dor por terem que lembrar da cena traumática, sentem-se leves, como se já não carregassem aquele saco de cimento pesado sobre os ombros. E realmente não carregam mais. O que uma lembrança traumática faz com o emocional de uma pessoa é muitas vezes devastador. Só sabe quem sofre, só sabe quem tem medo, que acorda de madrugada no meio de um pesadelo e não vê sentido racional naquilo, apenas terror. Quem passa por uma experiência repetidas vezes, todas elas em pânico, por reviver a situação que deixou a memória salva de forma não-adaptativa, torcida, errada.

Essa semana pude ouvir mais uma pérola da paciente que atendo. Entre tantas coisas que ela fala depois de reprocessar as memórias traumáticas, refletindo e tendo insights incríveis, ela me saiu com essa: “Acho que preciso pedir desculpas à minha irmã por aquele dia...” Então me dei conta de quantas famílias têm problemas por situações traumáticas vividas e que não imaginam a importância de tratar seus medos e suas dores, para não carregarem mais o sofrimento do afastamento de um alguém tão importante: um irmão, uma mãe, um pai. Como se não bastasse ter sofrido o baque, naquele momento da dor, da reação desmedida, não-pensada, nós magoamos quem está ao nosso lado, sem nos darmos conta de que o outro também pode estar sofrendo. Os anos passam e carregamos a dor do momento e a raiva daquela pessoa em quem atiramos a culpa do que aconteceu, mesmo que ela estivesse ali na cena só como espectadora, como uma mãe presenciando o filho apanhar do pai alcoolizado. No momento em que este filho reprocessa a surra levada, percebe que a mãe também estava sofrendo ao presenciar a cena, percebe que ela estava vulnerável, impedida de reagir, com medo ou então que fez tudo o que estava ao seu alcance naquele momento. Os dois saem machucados da cena. Cada um com as suas feridas abertas. Mas talvez este filho tenha passado a vida ignorando, menosprezando e magoando a mãe com palavras e atitudes, por senti-la culpada, mesmo que inconscientemente. Ao tratar o seu trauma, enxerga a mãe sofrendo ali ao seu lado e tudo muda. É urgente o sentimento de culpa e a necessidade de pedir perdão por anos de sofrimento sem motivo.
E assim se dá no nosso cérebro racional. Quando o emocionar para de dar as ordens ao produzir força negativa dentro de nós, conseguimos olhar ao redor e enxergar os estragos que fizemos enquanto estávamos sob o efeito dessa dor. É o momento de reaprender a amar, reconquistar as pessoas que afastamos, voltar para o convívio dos familiares e amigos, conquistar novos desafios que antes não eram nem cogitados. Chega o momento de voltar a viver por completo!

2 comentários:

Unknown disse...

Obrigada Deise por compartilhar no teu blog tuas experiências clínicas.
É bom saber que podemos contar com profissionais competentes, que ouvem seus pacientes sem julgar e ficam felizes pelos progressos.
Como dizem, somos todos anjos de uma asa só...
Sucesso.

Deise Jardim disse...

Obrigada, querida! Ajudar as pessoas a redescobrir sua alegria de viver é o que me move. O reconhecimento desta minha dedicação é uma consequência.